06 de FEVEREIRO de 2020
A ocupação dos irmãos Fernando e Humberto Campana no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM RIO), a ser inaugurada no próximo dia 14 de março, é a maior exposição já feita pela dupla em seus 35 anos de existência. Reunindo projetos inéditos e instalações, concebidos especialmente para o espaço, e uma ampla seleção de peças de design e esculturas desenvolvidas ao longo das últimas décadas, a mostra pretende desafiar o público com uma montagem ousada, imersiva e provocadora. O evento não apenas celebra a longevidade da dupla, como reafirma a importância do MAM para o design. A instituição abrigou por vários anos o Instituto de Desenho Industrial e reforça esse papel histórico ao estimular a convergência entre as mais diversas formas de expressão visual.
Aproximadamente 1,8 mil metros quadrados do segundo andar do prédio icônico de Affonso Eduardo Reidy serão tomados pela arte irreverente, desafiadora e criativa dos Campana. Numa espécie de caos criativo, os dois designers conceberam um ambiente imersivo, formado por um conjunto de grandes instalações e por um amplo conjunto de mais de uma centena de peças selecionadas para a mostra, nas quais se sobressaem questões marcantes em sua produção como a capacidade de integrar referências artesanais e industriais, uma profunda ousadia formal e material, um intenso flerte com o surrealismo e uma acentuada preocupação ambiental.
A definição dos diferentes núcleos e confluências é bastante subjetiva e decorre de uma leitura ao mesmo tempo afetiva e conceitual proposta pela curadora italiana Francesca Alfano Miglietti. A ensaísta realiza uma aproximação entre a obra dos Campana e a ideia de “escultura social”, desenvolvida por Joseph Beuys. “Arte e design, para os irmãos Campana, não é um conceito exclusivamente de museu, mas uma concepção estética revolucionária onde a arte se torna uma prática comum, portanto, capaz de melhorar o relacionamento do homem com o mundo”, conclui ela.
Logo na entrada, o visitante encontrará uma enorme parede de cobogós. São cerca de 1,6 mil tijolos terracota vazados que têm como elemento de repetição uma mão aberta, sinal ao mesmo tempo de alerta e saudação. A estrutura, que remete às paredes de elementos vazados típicos da arquitetura vernacular nordestina, já de início pontua um dos aspectos centrais da obra da dupla: sua capacidade de incorporar e reinventar elementos típicos da cultura brasileira. Outras intervenções de caráter fortemente cenográfico se espalham pela grande sala. Há o gigantesco painel intitulado Pele, estrutura substancialmente orgânica que combina painéis de madeira, argila expandida e tela de galinheiro e que deriva de um desejo de criar novas formas e estruturas para projetos de paisagismo; ZigZag (um mosaico de estruturas na forma de gotas, em diferentes tamanhos, recobertos de fios de um intenso verde limão, e que recobre o teto do espaço expositivo); e um cinema forrado de tecido dourado com sedutores pufes negros, para exibir a história dessa parceria.
Mas o efeito cênico, feito em colaboração com a Spectaculu Escola de Arte e Tecnologia, ONG criada por Gringo Cardia e Marisa Orth no Rio de Janeiro, não se limita à entrada, paredes e telhado. Pontuando e dando ritmo a esse enorme espaço estão mais de uma centena de elevadas torres, recobertas de palha de piaçava. Funcionando como troncos de uma estranha floresta, em uma clara alusão à questão ambiental, essas estruturas – que foram mostradas, em menor escala, em 2019, na Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, em São Paulo – sugerem caminhos, permitem aproximações do público com os núcleos poéticos que organizam a exposição.
Sem hierarquias ou cronologias, estarão em diálogo na mostra desde as antológicas Cadeira Vermelha (1998) e a Poltrona Favela (2003), até trabalhos mais recentes como a série Hibridismo, a Poltrona Sade e algumas investigações de caráter mais coletivo – como as luminárias intituladas Retratos Iluminados –, desenvolvidas através do Instituto Campana, instituição criada em 2009 pelos irmãos para resgatar técnicas artesanais e promover a inclusão social por meio de programas sociais e educativos.
Experimentação e ousadia são elementos-chave no trabalho dos irmãos. Na maioria das vezes é o material que dita o caminho. O interesse é dar forma, sentido e função, a coisas simples, rejeitadas do cotidiano. Elementos descartados como isopor, plástico bolha ou as palhinhas de cadeiras antigas tornam-se, nas mãos desses designers artistas, elementos nobres. “São como falsos brilhantes”, brinca Humberto, demonstrando assim a importância de não deixar nenhum material ser tragado por sua banalidade.
"Depois de 35 anos, não sei se sou designer ou artista, não me preocupo mais se a peça tem funcionalidade ou não”, acrescenta ele. Sobre o trabalho longevo da dupla, ele completa: “Trabalhamos bem juntos, um instiga, provoca o outro”. O irmão Fernando também valoriza essa curiosa combinação, diz que muitas vezes “um pensa e o outro completa”, num processo em que sintonia e diversidade se alternam. “Desde a infância, ele queria ser índio, eu astronauta”, brinca. Uma parceria tão longa não é algo simples, mas Humberto destaca a importância de que ambos, neste longo período, procuraram desenvolver suas expressões individuais, criando trabalhos pessoais, que também estarão presentes na exposição.
Para Fernando, a principal conquista deles foi mostrar que o Brasil não é apenas aquele dos clichês, do samba, futebol e folclore. “Conseguimos levar a excelência do artesanal, o fatto a mano brasileiro à indústria italiana”. Conhecidos internacionalmente por sua obra no campo do design, com parcerias importantes com marcas de renome como Edra, Alessi e Louis Vuitton, presença constante nos grandes eventos e exposições do design mundial e com trabalhos nas principais coleções e museus do mundo, abriram um espaço que até então parecia fechado aos criadores brasileiros.
SOBRE O ESTUDIO CAMPANA
Em 1984, os irmãos Fernando (1961) e Humberto (1953) Campana criaram, em São Paulo, o Estudio Campana, que se tornou reconhecido pelo design de mobiliário e por criação de peças intrigantes - como as cadeiras Vermelha e Favela. Posteriormente, o estúdio expandiu seu repertório para as áreas de arquitetura, paisagismo, cenografia e moda, entre outras.
Atualmente, os irmãos Campana figuram na lista dos arquitetos mais icônicos do mundo da Interni (2018). Em 2015 e 2014 a Wallpaper os classificou, respectivamente, entre os 100 mais importantes e 200 maiores profissionais do design. Em 2013, foram listados pela revista Forbes entre as 100 personalidades brasileiras mais influentes.
Em 2012, Fernando e Humberto Campana foram selecionados para o Prêmio Comité Colbert, em Paris; homenageados pela Design Week de Pequim; receberam a Ordem do Mérito Cultural, em Brasília, e foram condecorados com a Ordre des Arts et des Lettres pelo Ministério da Cultura da França, além de eleitos Designers do Ano pela Maison & Objet de Paris. Em 2008, receberam o prêmio Design Miami/ Designer of the Year Award.
As peças Campana fazem parte de coleções permanentes de renomadas instituições culturais como MoMa de Nova York; Centre Georges Pompidou e Musée des Arts Décoratifs, Paris; Vitra Design Museum, Weil am Rhein; Design Museum de Londres, Philadelphia Museum of Art, Pinakothek Der Moderne Munich, Musée des Beaux-Arts de Montréal, Tokyo Museum of Contemporary Art, Fundação Edson Queiroz, Recife, e no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
SOBRE O INSTITUTO CAMPANA
Fundado em 2009, a missão do Instituto Campana é preservar o legado dos Irmãos Campana, utilizando o design como ferramenta de transformação através de programas sociais e educativos. A Associação Civil de direito privado sem fins lucrativos realiza esse objetivo por meio de parcerias e acordos de cooperação com instituições estrangeiras e nacionais, empresas, organizações e entidades públicas e privadas.
Um dos principais atributos do trabalho dos Irmãos Campana é a inspiração pelas técnicas artesanais tradicionais de diferentes partes do Brasil e ao redor do mundo. Foi precisamente a proximidade com as diferentes realidades que deram o impulso inicial para a criação de uma organização com três principais áreas de trabalho: o resgate de técnicas artesanais, o desenvolvimento da inclusão social e preservação da obra dos irmãos para futuras gerações.
SOBRE O MAM RIO
Fundado em 1948, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – uma sociedade civil sem fins lucrativos – logo se tornou uma das poucas instituições culturais do país em que as vanguardas brasileiras do pós-guerra encontraram estímulo para florescer. Em 70 anos de história, dezenas de eventos e exposições seminais da arte moderna e contemporânea brasileira ocorreram no MAM Rio. A instituição tem um dos mais importantes acervos de arte moderna e contemporânea da América Latina, reunindo três grandes coleções, que somam mais de 16 mil obras, o que reflete sua trajetória interessada não só pela história da arte, em especial da arte brasileira, mas também na jovem produção contemporânea. Foi no MAM que surgiu o embrião da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), e onde Karl Heinz Bergmiller (1928) criou o Instituto de Desenho Industrial, de grande importância para a área. Em 2016, o MAM criou a curadoria de design, a cargo de Tulio Mariante.
SERVIÇO
Exposição Irmãos Campana – 35 Revoluções
Abertura: 14 de março de 2020, às 15h l Exposição: 14 de março a 12 de maio de 2020 l Curadoria: Francesca Alfano Miglietti l Planejamento e organização: Pinakotheke Cultural / Max Perlingeiro l Educativo: Instituto Campana l Local: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro [MAM Rio] l Endereço: Av. Infante Dom Henrique, 85, Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, CEP 20021-140 l Terça a sexta, das 12h às 18h l Sábado, domingo e feriado, das 11h às 18h. l Ingresso: R$14; estudantes maiores de 12 anos: R$7; maiores de 60 anos, Amigos do MAM e crianças até 12 anos: entrada gratuita l Quartas-feiras: entrada gratuita l Domingos ingresso família, para até 5 pessoas: R$14 l Telefone: 21. 3883.5600 l www.mam.rio
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